Publicado em setembro de 2020, o romance da escritora nova-iorquina apresenta um suspense baseado no racismo e na especulação imobiliária que vitimizam os moradores antigos do Brooklyn.
No final de semana retrasado, li “Quando Ninguém Está Olhando” (Intrínseca), romance de Alyssa Cole ambientado no Brooklyn, bairro tradicional de Nova York. Famosa pelos dramas históricos protagonizados por mulheres negras e de personalidade forte, como a impecável série literária “Liga da Lealdade”, a autora de 41 anos é atualmente um dos bons nomes da ficção norte-americana. Confesso que há um tempinho estava curioso para conhecer mais de perto o seu trabalho. E, sem querer, consultando a biblioteca do meu Kindle no início do mês, achei justamente “Quando Ninguém Está Olhando”, uma das obras mais recentes de Cole. Acho que comprei esse título em alguma promoção no final do ano passado – teria sido na última Black Friday ou no último Amazon Prime Day de 2022. Então pensei: por que lê-lo? Por que não o ler? Por que lê-lo? Li-o. E, como diria Armando Volta, aceite esse post da coluna Livros – Crítica Literária porque é de coração, sem o menor interesse do Bonas Histórias.
Publicado nos Estados Unidos em setembro de 2020, “Quando Ninguém Está Olhando” foi lançado em português em novembro de 2021 pela Editora Intrínseca. A tradutora responsável pela adaptação do romance (When No One Is Watching é o título original) para nosso idioma foi Thaís Britto. Se eu não estiver enganado, citei a chegada dessa obra em nossas livrarias no post dos lançamentos do último bimestre do ano retrasado na coluna Mercado Editorial. Curiosamente, esse é o único título de Alyssa Cole que teve os direitos comprados pela Intrínseca. Os livros em português da série “Liga da Lealdade” – “Uma União Extraordinária”, “Uma Esperança Dividida” e “Uma Liberdade Incondicional” – são da Editora Harlequin Brasil e da série “Reluctant Royals” – “Teoricamente Princesa” – são da TopSeller, selo da lusitana Penguin Livros.
Alyssa Cole não escreve apenas romances históricos. Ela também navega com frequência pelas narrativas contemporâneas e pela ficção científica. De certa maneira, “Quando Ninguém Está Olhando” se enquadra nessas outras definições – apesar de ser um exagero chamar essa obra de ficção científica ou de distopia. Infelizmente, suas denúncias são beeeeeem reais. Além de apresentar histórias que denunciam o racismo e exaltam o feminismo, a norte-americana constrói tramas com personagens homossexuais, com forte contexto político e com engajamento social. Ou seja, é uma autora com um olhar atual e com opiniões bastante críticas em relação à sociedade de seu país.
Nascida no Bronx, bairro populoso de Nova York e com predominância de população de origem latino-americana, e criada no outro lado da ponte, em Nova Jersey, Alyssa Cole mora atualmente em Martinica. Basicamente, ela vive na ilha caribenha, onde escreve a maioria dos seus livros, e só voa para Nova York a trabalho, o que ocorre em várias semanas por ano. Dá para dizer que em épocas de lançamento literário e de divulgação do trabalho editorial, a escritora divide-se entre a América Central e a América do Norte.
Depois de “Uma União Extraordinária”, livro 1 de “Liga da Lealdade”, e “A Prince on Paper” (ainda sem edição em português), quinto título da série “Reluctant Royals”, “Quando Ninguém Está Olhando” é o romance de Cole mais premiado pela crítica e mais aclamado pelo público. Ele conquistou o Edgar Award de 2021, uma tradicional premiação literária dos Estados Unidos do gênero de mistério, como a melhor obra original daquela temporada. A versão em audiolivro dessa publicação também arrematou o Audie Award de 2021, prêmio voltado para os audiobooks norte-americanos, na categoria melhor thriller/suspense.
O enredo de “Quando Ninguém Está Olhando” se passa no tempo presente em Gifford Place, uma comunidade tradicionalmente negra do Brooklyn. Esse pedaço do bairro nova-iorquino, que historicamente foi marginalizado e ignorado pelas autoridades públicas, tem sofrido uma intensa especulação imobiliária nos últimos anos, algo que os especialistas do setor chamam de gentrificação. Basicamente, os imóveis são comprados por gente mais rica e de fora da região, o que eleva seus preços a níveis absurdos. Como consequência, os aluguéis e os impostos se tornam impraticáveis para os moradores antigos, que acabam expulsos por pressão financeira do local em que nasceram e viveram desde pequenos. Na ânsia de lucros maiores, os investidores do mercado imobiliário e as construtoras tentam acelerar esse processo de mudança do perfil dos habitantes do Brooklyn.
A nova realidade é sentida com força em Gifford Place. Essa parte do bairro era formada essencialmente pela população negra e pobre de Nova York. Contudo, os novos moradores que chegam agora são pessoas brancas e mais elitizadas da cidade. À medida que os novos habitantes se instalam e muitos dos antigos cidadãos se mudam para longe, começam a surgir conflitos econômicos (ricos versus pobres) e raciais (brancos versus negros). A tensão aumenta e as brigas entre os vizinhos se tornam rotineiras. Os novatos veem com maus olhos os moradores antigos e os moradores antigos não engolem a vinda de gente tão metida. Se o racismo já era praticado fora de Gifford Place, agora ele adentra com mais intensidade nas ruas da comunidade.
Inconformada com a situação de injustiça social, Sydney Green, uma mulher negra de trinta anos e moradora antiga do bairro, resolve criar uma visita guiada para os turistas que se interessam pelo Brooklyn. Ao invés de contar a história da região pelo olhar das pessoas brancas, como vem sendo feito até ali pelos guias turísticos e pelos historiadores convencionais, ela irá narrar a história do seu bairro pela perspectiva das pessoas negras. A moça acredita que conseguirá valorizar os verdadeiros heróis daquele pedacinho da cidade natal através do tour inovador e mais fidedigno.
O problema é que Sydney passa por uma forte crise emocional. Recém-separada, ela ainda não conseguiu superar o fim do matrimônio, que sempre fora marcado pelo relacionamento tóxico do ex-marido. Além disso, a mãe dela está doente e vive em uma clínica médica. Isolada dentro de casa, a moça está deprimida e parece ter surtos de alucinação. Por isso, está sempre com a sensação de que está em perigo. As coisas se tornam insustentáveis quando Sydney não aceita o comportamento presunçoso e preconceituoso de Kimberly, uma nova e rica vizinha branca. As duas vivem às turras e não se suportam.
Tentando sair da fossa sentimental e das paranoias que parecem lhe dominar, Sydney Green encontra na pesquisa histórica do bairro para seu passeio turístico uma maneira de sociabilizar com os antigos vizinhos e de aliviar a mente dos problemas atuais. Curiosamente, quem se prontifica para ajudá-la nessa empreitada é Theodore, um homem branco recém-chegado à Gifford Place. Ele é, acredite se quiser, namorado de Kimberly. Porém, o casal de novatos no bairro enfrenta uma série crise conjugal e só segue dividindo a mesma casa porque Theo está desempregado e não tem dinheiro para pagar aluguel. Assim, aceita continuar convivendo com a ex-namorada, que não esconde o desprezo por ele nem o novo relacionamento que engatou com um tal de David. Amargurado com a decadência sentimental, material e profissional, o rapaz vive embriagado e enfurnado no sótão da casa, para onde foi despachado pela antiga amada.
Theodore encara a ajuda na pesquisa de Sydney como um jeito de se aproximar da comunidade negra de Gifford Place, que parece odiá-lo, e, principalmente, de ficar mais íntimo da bela e sexy vizinha da casa da frente. Rapidamente, pinta um clima entre a dupla. Mais do que os sentimentos que brotam e se intensificam entre Sydney e Theo, o que os une é a sensação de que episódios muito estranhos estão ocorrendo naquele pedaço do Brooklyn. Seria só uma impressão dos protagonistas abalados psicologicamente ou o conflito socio-racial que Gifford Place vivencia ultimamente está tomando contornos dignos de um thriller de terror?! Esse é o mistério que move a trama do romance de Alyssa Cole. Além de torcer para que as personagens principais fiquem juntas, o leitor tenta entender o que se passa nas ruas e casas daquela região de Nova York.
“Quando Ninguém Está Olhando” é um romance parrudão. Ele possui 400 páginas, que estão divididas em 25 capítulos. Há ainda um prólogo e um epílogo. Levei aproximadamente oito horas para lê-lo de ponta a ponta no sábado retrasado. Para isso, fiz basicamente quatro sessões de duas horas de leitura (não li tudo de uma vez só, caso você tenha pensado nessa possibilidade!). Uma sessão foi de manhã, duas foram à tarde e uma foi à noite. Ou seja, consumi este livro de Alyssa Cole em um único dia sem grandes complicações. Quem gosta de fazer longas imersões literárias como eu, a boa notícia é que esta obra é um convite sedutor para os leitores hardcore e dá para devorá-lo rapidamente. Quem não gosta de fazer longas leituras, dá tranquilamente para degustá-lo em dois ou três dias ou mesmo em três ou quatro noites.
O primeiro elemento que chama a atenção em “Quando Ninguém Está Olhando” é a pegada engajada do romance. Alyssa Cole produz uma narrativa com fortes e contundentes críticas sociais, uma de suas marcas literárias. A diferença deste livro para seus títulos mais famosos é que o tom de denúncia está ancorado no presente e não apenas no passado. É até difícil listar todos os assuntos abordados pela autora nova-iorquina: racismo estrutural e histórico dos Estados Unidos, crise dos opioides, homofobia, violência urbana, epidemia de crack, especulação imobiliária, falta de um sistema público de saúde, violência policial, sexismo, choque de classes sociais, gentrificação, injustiça social, descaso público com determinados segmentos da população, perspectiva enviesada da história etc.
Minha sensação é que a ficção foi abraçada com rara felicidade pelo contexto narrativo e pela realidade nua e crua. Nesse sentido, quem ganha destaque é a ambientação do livro. Repare no clima de thriller de terror e de romance noir de “Quando Ninguém Está Olhando”. A atmosfera pesada e recheada de incertezas atiça a curiosidade dos leitores e move a dinâmica do enredo para caminhos inimagináveis. Usando uma analogia cinematográfica (numa mistura das colunas Livros – Crítica Literária e Cinema), a ambientação desta obra de Cole mescla o suspense psicológico de “Janela Indiscreta” (Rear Window: 1954), o terror surrealista de “Corra!” (Get Out: 2017), a opressão social de “Estranhos Vizinhos” (Neighbors: 1981), o racismo e o sexismo de “Estrelas Além do Tempo” (Hidden Figures: 2016) e a angústia pela sociedade preconceituosa e injusta de "Marshall - Igualdade e Justiça" (Marshall: 2017). O resultado não poderia ter sido melhor!
O legal é notar que o clima da narrativa é de insegurança para todas as personagens, não apenas para a dupla de protagonistas e para os vizinhos negros de Gifford Place. Até mesmo os novos moradores do bairro, gente branca e mais endinheirada, se sentem deslocados e em perigo constante. A culpa é, obviamente, das diferenças sociais e raciais. É como se uma bomba-relógio estivesse para explodir no Brooklyn a qualquer momento e seus efeitos imprevisíveis fossem atingir a todos indistintamente.
Repare que a ambientação de medo e angústia por mais forte que seja ainda assim possui certo tom de incerteza. Afinal, o clima pesado da vizinhança de Gifford Place seria real ou fruto da imaginação de Sydney Green e Theodore, hein? As dúvidas que surgem nas cabeças dos leitores são válidas porque as duas personagens principais de “Quando Ninguém Está Olhando” são figuras nem um pouco confiáveis. Ambos os protagonistas vivem fases complicadíssimas e não estão em seus perfeitos juízos mentais. Enquanto Sydney padece de depressão pela doença da mãe e pelo término do casamento, o que a deixa irritadiça e sem conseguir dormir, Theo está amargurado pela traição e abandono da namorada e pelo desemprego insistente, o que o faz mergulhar no alcoolismo. Em outras palavras, ela está a ponto de enlouquecer (a falta de sono a faz delirar) e ele está mergulhado no abismo emocional (a tristeza o deixa suscetível a reações passionais).
Por falar nisso, é preciso elogiar a construção das personagens desse romance. Achei o trabalho de Alyssa Cole ótimo quando o assunto é a constituição das figuras ficcionais. Note que há o predomínio de tipos redondos. Até os protagonistas possuem um farto conjunto de características negativas e de comportamentos questionáveis. Ou seja, eles não são heróis tradicionais, não estão imunes aos erros nem são infalíveis. São pessoas com vários defeitos como eu e você (se bem que é difícil achar algum defeito nos leitores do Bonas Histórias!). Adorei esse recurso!
Se Sydney ainda se salva em uma avaliação geral (na minha visão, ela é apenas alguém amargurada que passa por uma fase complicada; não é, portanto, uma mulher chata, mas alguém que está sendo chata diante dos tormentos vivenciados recentemente), Theo não escapa de ser classificado de um legítimo anti-herói. Paradoxalmente, o que o ex-namorado de Kimberly, um rapaz branco e boa-pinta, faz na surdina é justamente aquilo que os novos moradores brancos do Brooklyn acusam os antigos moradores negros do bairro de fazerem. Não poderia existir contradição mais espetacular do que essa, né?!
Por mais que a trama tenha uma overdose de maniqueísmo (aspecto que vamos debater mais à frente nesse post da coluna Livros – Crítica Literária e que me incomodou um pouco), esse efeito não atinge a maioria das personagens, principalmente os protagonistas e os coadjuvantes. A questão sensível é que os vilões não receberam o mesmo tratamento e são, infelizmente, figuras estritamente planas. Esse é o único equívoco na construção das personagens que notei neste romance. Se tivéssemos antagonistas com um maior equilíbrio entre elementos positivos e negativos, a qualidade de “Quando Ninguém Está Olhando” como trama ficcional iria crescer substancialmente.
Outra questão que gostei foi da construção das cenas. Temos nesse livro boas passagens do início ao fim. Percebe-se que Cole possui total domínio da técnica narrativa e soube colocar sua competência ficcional em prol da sagacidade do enredo do romance. Até mesmo as cenas aparentemente pouco relevantes, como as visitas de Sydney e Theo por algumas instituições do Brooklyn e as pesquisas da dupla pelo passado do bairro, têm função objetiva, seja para estreitar o relacionamento do par romântico, seja para compor o contexto da história que será puxado no desfecho.
Por falar na encenação, é preciso dizer que o início de “Quando Ninguém Está Olhando” foge bastante do padrão dos thrillers comerciais, dos suspenses literários contemporâneos e dos romances policiais clássicos. Admito que gostei dessa inovação, algo inimaginável nos livros de Harlan Coben, Agatha Christie, Rubem Fonseca, Nora Roberts e Sidney Sheldon, por exemplo. Ao invés de apresentar logo de cara o mistério que vai fazer a roda da trama girar ou o crime que será investigado pelos narradores-protagonistas, Alyssa Cole prefere focar na dinâmica cotidiana do bairro.
É como se o Brooklyn e, mais especificamente, Gifford Place se tornassem uma personagem principal do romance. Assim, assistimos a uma espécie de crônica de costumes à la “O Cortiço” (Penguin), clássico naturalista de Aluísio Azevedo, “Os Transparentes” (Companhia das Letras), romance adulto de Ondjaki, e “Capão Pecado” (Tusquets), obra-prima de Ferréz. A preocupação inicial de Alyssa Cole é mais apresentar os dramas pessoais e familiares da localidade retratada do que inserir um conflito evidente e específico na sua história.
Se você acha que tal inovação pode desestimular a leitura, aviso desde já que não senti isso em minha experiência literária. A trama me prendeu e eu não larguei o livro durante o dia inteiro. Contudo, é bom avisar que “Quando Ninguém Está Olhando” apresenta características muito mais de drama psicológico, romance romântico e saga racial do que de suspense, thriller de ação e romance policial. É tudo uma questão de perspectiva! Como drama noir, história romântica e narrativa de crítica social, essa obra de Cole é excelente. Já como suspense, ela é razoável. E como thriller de ação e trama policial, trata-se de um título razoável.
E por que estou fazendo tal distinção? Simplesmente porque o suspense só surge na segunda metade de “Quando Ninguém Está Olhando”. As cenas de ação e a investigação criminal demoram ainda mais: só aparecem no terço final. Por mais eletrizante que seja o desfecho (há várias reviravoltas e surpresas no desenlace do romance!), a história demora para engrenar para quem anseia mistério, aventura e adrenalina. Essa longa espera não acontece para quem tem a expectativa de encontrar um enredo dramático, sentimental e engajado. Exatamente por isso, eu não concordo com a classificação que foi dada para esse livro de Alyssa Cole. Para mim, ele deveria ser vendido como drama social e romântico. E ponto.
A escolha pela narração dupla também foi positiva. Quando temos dois narradores em primeira pessoa (Sydney e Theo), é possível acompanharmos a história por diferentes perspectivas e cenários. A dupla de protagonistas se reveza na contação da trama, com cada um sendo responsável pela voz de um capítulo (com predomínio de Sydney Green quando analisamos o conteúdo integral do romance). Assim, não há risco de se cometer erro de foco narrativo ou de se forçar a barra para acompanhar determinada cena ou episódio. Por mais banal que seja esse recurso atualmente (muitos suspenses têm recorrido à narrativa dupla), admito que ele foi bastante eficiente em “Quando Ninguém Está Olhando”. A impressão que temos é que sua narrativa está redondinha, redondinha. Eu, pelo menos, não achei nenhum erro no que se refere à narração.
Por mais que eu fale dos aspectos técnicos desse título, seu principal mérito está no conteúdo sensível, forte e revelador. A opressão, as injustiças e a violência sofrida pela população negra do Brooklyn nos dias atuais são assustadoras. Ou você acha que o racismo era maior no passado? Ou acha que Alyssa Cole exagerou nas tintas dessa história que pode ser vista como uma distopia étnica?! As respostas para essas questões passam pelo debate sobre os choques raciais que explodem de tempo em tempo nos Estados Unidos. Talvez, o racismo contemporâneo não seja maior ou menor do que o do passado, apenas diferente. A impressão durante a leitura de “Quando “Ninguém Está Olhando” é que ele se mascara em engrenagens mais eficientes, cruéis e ocultas da sociedade branca. Qualquer semelhança com o que acontece no lado de baixo da linha do equador não é mera coincidência.
O que ajuda a corroborar com a tese de Alyssa Cole é a belíssima construção histórica do racismo nos Estados Unidos que a obra ficcional traz. Já sabemos que a autora nova-iorquina é excelente no retrato do passado pelos seus títulos mais famosos. E aqui novamente temos uma gostosa viagem pela história, mesmo em uma trama contemporânea. A pesquisa realizada por Sydney e Theo apresenta aos leitores o passado da formação dos Estados Unidos e do Brooklyn. O mais interessante é que esse passeio pelas páginas dos livros de História é feito, em “Quando “Ninguém Está Olhando”, pela perspectiva dos negros norte-americanos. Incrível! Confesso que as únicas passagens históricas que eu não conhecia (e que me fizeram pesquisar) foram o Pânico de 1837 (só conhecia o de 1929) e os apagões de luz sofridos no bairro em que o enredo do livro se passa (maneira de prejudicar a população negra).
Também gostei da tradução de Thaís Britto, com direito a escolha de uma palavra inusitada como “birosca” (adorei!), do ritmo narrativo (para um drama sentimental) e da linguagem direta e eficiente (o que torna a leitura fluida e rápida). De certa maneira, a literatura de Alyssa Cole me lembrou um pouco a literatura ficcional de Chimamanda Ngozi Adichie. Em outras palavras, “Quando Ninguém Está Olhando” interage intertextual e tematicamente com “Americanah” (Companhia das Letras). Talvez o correto seria dizer que as duas obras são complementares para entendermos a realidade dos negros nos Estados Unidos (tanto dos imigrantes quanto dos nascidos em território norte-americano há algumas gerações).
Apesar da interminável lista de pontos positivos, o romance de Cole também tem aspectos que deixam um pouco a desejar. O primeiro deles é, como já citado, o forte maniqueísmo da trama. A escolha dos vilões e dos heróis é até adequada do ponto de vista narrativo, mas ainda assim é um tanto exagerada e caricata. Se tivéssemos uma pegada menos maniqueísta, acredito que “Quando Ninguém Está Olhando” se tornaria um livro ainda melhor.
Outra questão que já levantei a bola e que preciso detalhar mais, afinal estamos na coluna Livros – Crítica Literária, é a demora para o conflito principal da publicação surgir aos olhos dos leitores. Esperar 200 ou 250 páginas para se pegar o atrito central da história talvez seja um tempo excessivo para a maioria do público, principalmente para aqueles que esperam por um título de suspense, mistério e ação. Nesse caso, é provável que essa obra de Cole decepcione alguns, por melhor que seja a construção narrativa da primeira parte do livro. Daí minha ideia de mudar a classificação da publicação para drama psicológico, romantismo e/ou romance noir. Se a expectativa dos leitores fosse outra, tenho certeza de que o índice de decepção cairia substancialmente.
Ainda assim, o saldo de “Quando Ninguém Está Olhando” é para lá de satisfatório. Adorei esse livro e o estilo narrativo de Alyssa Cole. Vale a pena conhecer o trabalho dessa ótima escritora da literatura norte-americana e o jeito interessantíssimo com o qual aborda o racismo em seu país natal. Por tudo isso, ainda reafirmo minha vontade de ler “Uma União Extraordinária”, seu romance mais celebrado, e de debatê-lo no Bonas Histórias. Quem sabe não compre esse título na próxima Black Friday ou no próximo Amazon Prime Day, hein? Veremos. Veremos.
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