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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural – literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura, gastronomia, turismo etc. –, o Blog Bonas Histórias analisa de maneira profunda e completa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 44 anos e mora com um pé em Buenos Aires e outro na capital paulista. Atuando como editor de livros, escritor (ghostwriter), redator publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural e pesquisador acadêmico, Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Livros: A Empregada – O best-seller internacional de Freida McFadden

  • Foto do escritor: Ricardo Bonacorci
    Ricardo Bonacorci
  • há 1 dia
  • 18 min de leitura

Lançado em 2022, este thriller psicológico se tornou sucesso imediato nos Estados Unidos e em vários países e virou série literária com a publicação de mais dois romances. A história da jovem que trabalha como funcionária doméstica para uma estranha família de milionários chegará em breve aos cinemas.


O livro A Empregada é o romance de maior sucesso de Freida McFadden, uma das autoras best-sellers da literatura norte-americana contemporânea

No primeiro domingo de outubro, li “A Empregada” (Arqueiro), best-seller internacional de Freida McFadden, uma das boas revelações da nova safra da literatura norte-americana. Confesso que estava curioso para conhecer esse suspense psicológico há muito, muuuito tempo. Sucesso imediato nos Estados Unidos e levado com êxito para mais quatro dezenas de países (o Brasil incluído), o mais famoso romance de McFadden merecia uma avaliação cuidadosa da coluna Livros – Crítica Literária. Vale lembrar que esta seção do Bonas Histórias é justamente reservada para as análises pormenorizadas das obras mais impactantes da ficção nacional e da ficção internacional e, claro, da literatura clássica e da literatura contemporânea.


Para quem reclama que só comento títulos cults e da alta literatura (classificações que não faço seja no meu dia a dia profissional, seja no momento de degustar recreativamente as publicações literárias), “A Empregada” é a prova cabal de um típico exemplar da literatura comercial. Como uma só andorinha não faz verão, lembro de outros posts de 2025 nessa mesmíssima pegada editorial: “Uma Curva na Estrada” (Arqueiro), romance de Nicholas Sparks, “O Menino que Vivia no Mundo de...Marte!” (EV Publicações), mais recente infantojuvenil de Cíntia Ertel, e “O Construtor de Pontes” (Intrínseca), nova saga de Markus Zusak. Vamos combinar que não dá para chamá-los de publicações do tipo papo-cabeça, né? Ao mesmo tempo, esses livros são de excelente qualidade e empolgam até mesmo os leitores mais exigentes que buscam diversão e entretenimento.


Para o público que curte uma prosa mais refinada e enredos com alta dosagem de excelência ficcional, aviso que não os abandonei por completo. Esse maior verniz artístico é encontrado, por exemplo, em “Um Copo Vazio” (Todavia), novela de Natalia Timerman, “1+1=2 2-1=0” (CEPE Editora), romance de Fernanda Caleffi Barbetta, e “Nós Que Vivemos” (Minotauro), clássico de Ayn Rand. Esse trio de obras foi analisada no blog neste ano e empolga as pessoas com paladar mais sofisticado. Portanto, garanto a gregos e troianos que a coluna Livros – Crítica Literária segue contemplando a todos os gostos e preferências. A única exigência por aqui é que o título investigado tenha qualidade evidente.


Curiosamente, o que serviu de motivação para a minha leitura de “A Empregada” neste princípio de primavera foi ver que a Paris Films, responsável pela distribuição nacional da adaptação deste romance de Freida McFadden para o cinema, já está divulgando o trailer do filme no Brasil. Ao assisti-lo no finalzinho de setembro no Youtube, soube que a produção cinematográfica foi dirigida por Paul Feig, de comédias como “A Espiã que Sabia de Menos” (Spy: 2015) e “As Bem-armadas” (The Heat: 2013), e roteirizada por Rebecca Sonnenshine, de suspenses como “Jovens Malditos” (The Haunting of Molly Hartley: 2008) e “Além da Vida” (The Keeping Hours: 2016). Estrelado por Sydney Sweeney, Amanda Seyfried e Brandon Sklenar, o longa-metragem estreará nos Estados Unidos e no Canadá em dezembro de 2025 e na América do Sul em janeiro de 2026.


Escritora best-seller, Freida McFadden é a romancista norte-americana autora do livro A Empregada, sucesso no Brasil e no exterior

Meu Deus, já vão lançar o filme de “A Empregada”! Atordoado com o pensamento que brotou enquanto conferia o trailer, corri para adquirir, de uma vez por todas, esta obra literária e lê-la sem mais demora. Meu medo era acabar vendo a adaptação cinematográfica antes de conhecer o romance de McFadden. Por mais que o Bonas Histórias seja um blog multicultural e a coluna Cinema tenha bastante visualizações (muitas vezes, sendo a segunda ou terceira parte mais acessada deste portal informativo), me considero na obrigação de abastecer primeiramente a coluna Livros – Crítica Literária (e as demais seções literárias). Coisa de quem é apaixonado pela literatura – não tente me entender, por favor.


Publicado em e-book por uma editora inglesa em abril de 2022 (é isso mesmo o que você leu, um dos best-sellers atuais da literatura norte-americana saiu inicialmente por uma editora europeia na versão digital), “A Empregada” se tornou sucesso imediato de público. Em poucos meses, este título ficcional de Freida McFadden, até então uma autora desconhecida, foi subindo no ranking dos e-books mais vendidos e despertou o interesse das editoras comerciais dos Estados Unidos.


Uma vez na versão física e levado às livrarias norte-americanas em agosto de 2022, “A Empregada” rapidamente entrou na prestigiosa lista dos mais comercializados do New York Times. E por lá ficou por 60 semanas, um feito para poucos best-sellers. Calcula-se que, só na América do Norte, a trama da jovem e bonita funcionária doméstica que padeceu nas mãos de uma patroa amalucada tenha vendido 2 milhões de exemplares. Com o êxito no mercado mais concorrido do planeta, o romance foi levado para o exterior, alcançando o topo do ranking das ficções mais procuradas em vários países e tendo gerado outras 2 milhões de unidades comercializadas.


Entre as nações em que “A Empregada” fez enorme sucesso, podemos listar Brasil e Portugal, onde foi lançado com o nome de “A Criada” pela editora lusitana Alma dos Livros. Em nosso país, seus direitos de publicação foram comprados pela Arqueiro, editora famosa por publicar excelentes thrillers ficcionais. Com a tradução de Roberta Clapp, o best-seller de McFadden chegou às livrarias nacionais em junho de 2023 e rapidamente alcançou as primeiras posições entre os mais vendidos. Em outubro daquele ano, este livro já figurava entre as 20 ficções mais adquiridas pelos brasileiros.


Primeiro best-seller de Freida McFadden, A Empregada é o livro ficcional que apresenta o drama de Millie Calloway, a funcionária doméstica de uma estranha família de milionários em Long Island

Quem acompanha as novidades da coluna Mercado Editorial sabe do que estou falando. Do ano passado para cá, a procura por “A Empregada” em nosso país disparou. Na lista das ficções mais comercializadas em 2024 nas livrarias brasileiras, o best-seller internacional ficou na 11ª posição com mais de 29 mil exemplares vendidos. E em 2025, o resultado foi ainda melhor. Até o fim do mês passado, segundo os dados do PublishNews, a fonte mais segura da indústria do livro no Brasil, o título mais famoso de McFadden está na liderança entre as ficções adultas. “A Empregada” apresentou mais de 30 mil unidades em vendas de janeiro a setembro. No âmbito geral (livros de todas as categorias), ele só perde para “Do Dia Para a Noite” (HarperCollins), “Dias Quentes” (HarperCollins) e “Isso e Aquilo” (HarperCollins), volumes da série infantil de Bobbie Goods que somam, respectivamente, 40 mil, 33 mil e 33 mil exemplares comercializados por aqui.


Além de possuir ótimo enredo, a história por trás da publicação desta obra e a sua trajetória pouco comum até o sucesso valem algumas linhas de um relato mais detalhado da minha parte. Quando “A Empregada” chegou às livrarias norte-americanas, Freida McFadden não tinha ainda se consolidado como autora ficcional. Atualmente com 45 anos, essa nova-iorquina é médica especializada em lesões cerebrais. Formada em Harvard e residindo na região metropolitana de Boston, um de seus hobbies era justamente escrever comédias românticas. Como uma boa escritora amadora, ela publicava suas histórias de maneira independente na Loja Kindle (no formato de e-book) e pelo sistema do KDP da Amazon (no formato físico). Assim, aumentava anualmente seu portfólio literário de um jeito despretensioso.


Até o dia em que a Bookouture, editora inglesa especializada em publicações digitais na área da ficção, convidou McFadden para que enviasse um original. Ao procurar em suas gavetas (ou, no caso, arquivos do notebook) uma trama pronta, mas que ainda não tivesse sido lançada, a médica-romancista se deparou com a história de “A Empregada”. Depois de escrever esse thriller em 2019, ela não quis publicá-lo porque o considerou destoante do estilo que praticava até então. O mistério protagonizado por uma funcionária doméstica fugia totalmente do padrão das comédias românticas envolvendo médicos que Freida McFadden estava enviando para a loja Kindle e para o Amazon KDP. Por isso, não fazia sentido integrá-lo ao seu portfólio. Porém, como a editora inglesa queria algo novo, essa trama servia, pois estava pronta e apresentava bom potencial.


O que ninguém esperava é que a versão digital de “A Empregada” fosse se tornar um sucesso instantâneo e estrondoso. Empolgada com o melhor resultado até ali de sua incipiente carreira literária, Freida McFadden contratou um agente literário para que o romance fosse lançado também nas livrarias comerciais dos Estados Unidos. Assim, seis meses mais tarde, a Grand Central Publishing publicou o thriller na versão física. Em poucas semanas, novo êxito de vendas. Ainda no fim de 2022, o livro chegou, como contei, à lista dos mais vendidos do New York Times. No ranking dos best-sellers da Amazon, ele figurou por mais tempo: 83 semanas.


Publicado em abril de 2022 em e-book e em agosto de 2022 na versão física, A Empregada é o suspense psicológico de Freida McFadden que se tornou um dos livros ficcionais mais vendidos no mundo nos últimos anos

Uma vez na posição de autora best-seller, a médica nova-iorquina foi procurada por várias editoras para que lançasse seus antigos e-books em livros físicos e para que apresentasse novas histórias na linha de “A Empregada”. Assim, suas antigas comédias românticas e seus novos thrillers psicológicos foram publicados nas livrarias e conquistaram uma legião de fãs. A ida para os mercados estrangeiros também foi um passo natural (e acertado). Na Europa, principalmente na França e na Inglaterra, vale a menção, esse título chegou, em 2024, à primeira posição dos mais vendidos.


Para coroar a ótima fase, “A Empregada” ainda conquistou o Internacional Thriller Writers Awards de 2023 na categoria Melhor Romance Original no formato livro de bolso. Agora o sucesso estava completo. Não apenas o público adorara essa história como a crítica literária reconheceu sua qualidade. Vamos combinar que, em muitas oportunidades, agradar aos críticos é mais difícil e demorado do que satisfazer às exigências dos leitores recreativos, né?   


Aproveitando a repercussão extremamente positiva, McFadden lançou nos Estados Unidos, em fevereiro de 2023 e em junho de 2024, respectivamente, “O Segredo da Empregada” (Arqueiro) e “A Empregada Está de Olho” (Arqueiro), as sequências de seu best-seller. Dessa forma, o romance bem-sucedido se transformou em uma série literária. No Brasil, os volumes 2 e 3 da coletânea “A Empregada” foram lançados, respectivamente, em janeiro e setembro de 2024 pela Editora Arqueiro. A única diferença é que a tradutora das sequências dessa saga foi Fernanda Abreu, de “Uma Curva na Estrada”, romance de Nicholas Sparks, e não mais Roberta Clapp, a tradutora do volume 1.


Diante do sucesso de “A Empregada”, a Lionsgate, em parceria com Todd Lieberman, comprou os direitos para adaptar o romance de Freida McFadden para o cinema. O roteiro do filme foi desenvolvido de meados de 2023 até o final de 2024. Com um elenco hollywoodiano de bom nível, as gravações ocorreram entre janeiro e março de 2025 em Nova Jersey. Admito que estou curioso para conhecer a versão cinematográfica de Paul Feig. Prometo ir às salas de exibição no começo de 2026 para conferir esta produção. Se gostar de “A Empregada” (The Housemaid: 2025), pretendo analisá-lo na coluna Cinema. Portanto, esperem por mais novidades nesse sentido no Bonas Histórias, tá?


Voltando ao livro de McFadden, vamos detalhar agora seu enredo. A trama de “A Empregada” começa com a narradora assustada com o que lhe pode acontecer com a chegada da polícia ao seu lar. Em sua cabeça, é claro que será presa e acusada de assassinato. Afinal, há um corpo no sótão da luxuosa casa e, segundo todas as aparências, somente ela poderia estar envolvida com aquela morte. O mais correto seria dizer aos policiais: “Fui eu. Sou culpada. Podem me levar”. Contudo, a mulher respira fundo e tem o sangue frio de se mostrar surpresa com a cena trágica presenciada pelas autoridades naquela mansão. Por isso, ela chamou a polícia e não sabe explicar como algo tão violento se passou tão perto de si.


Responsável por catapultar a carreira de escritora ficcional de Freida McFadden, médica nascida em maio de 1980 em Nova York, A Empregada é o livro que traz um suspense psicológico cheio de surpresas e reviravoltas

Após a cena inicial, o romance regride três meses. A partir daí, acompanhamos o drama de Wilhemina Calloway, que todos chamam de Millie, em ordem cronológica. A jovem de 28 anos sofre para conseguir um novo emprego. Depois de passar dez anos presa, as pessoas a olham com extrema desconfiança. Para completar o drama, a demissão do bar em que trabalhava como garçonete pode complicá-la ainda mais. Como está em liberdade condicional, Millie precisa provar à Justiça que não oferece perigo à sociedade. Além disso, deve mostrar que tem emprego, residência fixa e dinheiro para se sustentar, tudo o que ela não possui no momento. Assim, a personagem principal de “A Empregada” dorme no carro, come qualquer coisa e busca obstinadamente um trabalho remunerado.


A sorte da moça parece mudar quando Nina Winchester, uma ricaça na faixa dos 30 anos que vive numa mansão em Long Island, a chama para uma entrevista. A vaga é para empregada doméstica. A funcionária deve limpar a residência, cozinhar de vez em quando e cuidar quando necessário de Cecelia, a filha de Nina de 9 anos. Aos olhos de Millie, aquele é o emprego perfeito. Além de saber fazer as atividades exigidas, o salário é excelente e os patrões exigem que a empregada durma no serviço (o que para alguém sem residência é perfeito). O problema é que a ex-presidiária imagina que será preterida por Nina na fase final do processo seletivo. Assim que a dondoca checar o histórico criminal da jovem, a descartará de imediato.


Felizmente, o presságio da moça não se comprovou. Passadas algumas semanas, Nina telefona informando que quer contar com os serviços de Millie o quanto antes. Radiante, a protagonista se apresenta ao novo trampo. Dessa maneira, ela conhece todos os ambientes da mansão e as particularidades da família de patrões. Aí a alegria pela obtenção do trabalho se transforma rapidamente em agonia.


A casa é grande e muito sofisticada. O problema é que o lugar se encontra numa enorme bagunça e numa sujeira indescritível. A impressão é que os moradores são porcos, incapazes de retirar as embalagens vazias de pizza de cima da mesa. Além do mais, a empregada dormirá num sótão claustrofóbico. O ambiente é minúsculo, o teto é desnivelado para acompanhar o telhado da construção, a cama de solteiro é dobrável, a janela tem o tamanho de uma mão e a lâmpada é ligada por uma corda. Ao menos o espaço abriga um banheiro, o que proporcionará certa privacidade à funcionária. Ainda assim, o que deixa Millie temorosa é notar que a porta de seu quarto se tranca só por fora e a pequena janela não abre. A sensação é de que ela fora transportada de volta à penitenciária.


Ambientado em uma mansão em Long Island e protagonizado por uma jovem recém-saída da prisão, A Empregada é o romance de Freida McFadden que trata do ambiente tóxico que uma funcionária doméstica enfrenta na residência de uma família rica

A família Winchester também se prova bastante complicada. Não demora para Nina demonstrar uma faceta pouquíssimo agradável. Além de grosseira no trato diário, a patroa parece nutrir ciúmes doentio do marido e apresenta comportamentos transloucados. Ela passa instruções equivocadas para a empregada, suja de propósito os lugares para que a funcionária tenha trabalho extra e parece viver no mundo da lua. Cecelia, a criança da residência, é ainda mais difícil no trato rotineiro. A garotinha é mimada ao extremo, faz pirraça com Millie o tempo inteiro e possui hábitos extravagantes. Em outras palavras, a filha de Nina é um capeta para a empregada.


O único morador que demonstra certa normalidade psicológica e empatia com a personagem principal do romance é Andrew Winchester, o marido de Nina e o padrasto de Cecelia. Na faixa dos 40 anos, o empresário multimilionário é um cara legal. Gente boa, tranquilo e simples nos hábitos, Andy, como todos os chamam carinhosamente, faz o papel de esposo ideal: bonitão, inteligente e educado. Para completar, é apaixonado pela esposa e exerce influência positiva sobre a afilhada, educando-a e tendo voz de comando sobre a menina.


Diante de tantas características positivas do patrão, não demora para a pobre Millie se sentir atraída por ele. Depois de ficar uma década sem contato com homens na cadeia, conviver diariamente com um cara que rende suspiros em todas as mulheres do condomínio em Long Island não é fácil para a empregada. Mesmo sabendo que é errado tais desejos e que Nina, por mais amalucada que seja, não mereça ser vítima de traição conjugal, a jovem sonha cada vez mais com o carinho e o afeto de Andy. Ele, por sua vez, nota o quanto a empregada é atraente. Além de mais jovem, Millie passa o dia com roupas e atividades que valorizam seu corpo bem-definido.


Notando os olhares nada convencionais entre patrão e funcionária, Nina se torna ainda mais ciumenta. Se a vida de Millie já era complicada nas primeiras semanas, agora se transforma em um inferno. Por mais que queira pedir as contas e fugir daquele lar com ambientação de filme de terror, a funcionária doméstica sabe que não encontrará tão cedo outra oportunidade de emprego. E sem trabalho, sua liberdade condicional será suspensa e ela retornará à cadeia. Assim, por mais que odeie sua rotina, sofra nas mãos da patroa e tema o que possa acontecer no seio de uma família tão desfuncional, a protagonista segue sua rotina desgostosa.


Não é preciso dizer que essa história não acabará nada bem, conforme vimos nas primeiras páginas do livro. Quem tenta alertar Millie para os perigos de estar na residência dos Winchester é Enzo, o jardineiro. O rapaz fortão e bonito que desperta os olhares lascivos da mulherada da vizinhança é italiano e não domina o idioma inglês. Por isso, não consegue expressar-se com fluidez. Ainda assim, o pouco que diz para a colega é que ela corre grandes riscos estando ali e que deve ir embora o quanto antes. Obviamente, Millie imagina se tratar de exagero dele ou de erros de interpretação das palavras do jardineiro.


A Empregada é o livro de Freida McFadden protagonizado por uma jovem com problemas financeiros que é obrigada a trabalhar como funcionária doméstica para uma patroa com graves problemas psiquiátricos

“A Empregada” possui 304 páginas, que estão divididas em três partes, além do Prólogo e do Epílogo. São ao todo 61 capítulos. A primeira parte possui 37 capítulos, enquanto o segundo e o terceiro blocos têm, respectivamente, 13 e 11 capítulos. Levei aproximadamente oito horas para percorrer integralmente o livro de Freida McFadden no domingo retrasado. Basicamente, fiz três sessões de leitura: a de manhã demandou mais ou menos três horas; a de tarde outras três horas; e a noturna cerca de duas horas. Quem não gosta de longas imersões literárias, acredito que dê para ler esse romance em dois ou três dias ou mesmo em três ou quatro noites. Já quem curte, como eu, passar várias horas mergulhado(a) nas páginas de uma boa ficção, é possível ir tranquilamente de uma ponta à outra desta publicação em um ou dois dias ou mesmo em duas ou três noites consecutivas.


Por falar nisso, o ritmo narrativo é o primeiro elemento que gostaria de elogiar nesta obra. O leitor recebe novidades interessantes sobre a trama e sobre as personagens o tempo inteiro. Não é errado dizer que da primeira à última página, “A Empregada” traz novos componentes da história que cativam a leitura e emocionam o público. Ora é o passado de Mille, ora é o passado de Nina que atraem a nossa atenção. Às vezes são os pormenores da personalidade de Andy, em outros momentos é o perfil de Enzo ou de Cecelia que suscitam a nossa curiosidade. A sensação é que sempre está acontecendo alguma coisa no livro, o que torna sua narrativa fluída e gostosa.


Outro mérito de “A Empregada” está em sua linguagem fácil e acessível. Nota-se que McFadden não é uma autora pedante nem é amiga das palavras difíceis. Ela apresenta um texto saboroso com uma prosa cativante. Esta é aquela publicação que pode ser lida pela família inteira: adolescentes ansiosos em busca de dramas intensos, adultos com pouco tempo para diversão que fogem de títulos enfadonhos e idosos tranquilos à procura de boas experiências literárias. Vamos combinar que não é à toa que esse romance tenha se tornado um best-seller internacional, né?


O que mais gostei nesta obra foi do ar de suspense e mistério que permeia a trama desde o início. Para quem acha que é fácil construir uma ambientação tensa e, principalmente, mantê-la por dezenas e dezenas de páginas na ficção literária, aviso que só os melhores escritores conseguem essa proeza. E “A Empregada” é um típico exemplar de trama que cria essa atmosfera e a mantém até o desfecho. Em termos de técnica literária, Freida McFadden dá aula de como produzir thrillers psicológicos.


Sucesso imediato no Brasil e no exterior, A Empregada é o romance de Freida McFadden que se tornou uma série literária e foi adaptado para o cinema

Prova do que estou dizendo é que este livro está cheio de surpresas e reviravoltas. Ou seja, “A Empregada” não oferece um caminhar narrativo previsível e linear. Quando achamos que estamos entendendo o que está acontecendo, a autora apresenta uma novidade que transforma completamente a realidade e alterna a evolução da trama. Confesso que adoro ser ludibriado por textos inteligentes e histórias sagazes que fogem do senso comum.


Também gostei bastante da construção das personagens. Nota-se que McFadden preza pelas figuras redondas. Sinceramente, não me lembro de ter encontrado em “A Empregada” protagonistas ou coadjuvantes planos (ou personalidades caricatas). O melhor exemplo disso é Millie Calloway. A ex-presidiária está longe de ser uma heroína clássica. De certa maneira, ela pode ser descrita como uma anti-heroína. O mesmo ocorre com a vilã. Será que Nina é realmente uma maluca desumana e cruel?! Aproveito e estendo tal questionamento para o restante do núcleo da família Winchester: será que Andy e Cecelia são, respectivamente, o marido perfeito e a filha incorrigível? A evolução do enredo mostrará aos leitores as várias facetas de cada personagem, sendo difícil decretar previamente quem está certo e quem está errado e quem é bom e quem é mau. Por falar nisso, esqueça os maniqueísmos, tá? A realidade oferece muitos tons além do claro e do escuro.       


A estrutura do enredo de “A Empregada” está redonda, redondinha. Nota-se isso quando a própria trama vai justificando as possíveis contradições das personagens. Por exemplo, por que Millie não pede demissão já que está num ambiente tão tóxico? Porque ela não encontrará facilmente outro emprego com tantos benefícios. Lembremos que a jovem saiu recentemente da prisão e ainda está em liberdade condicional. E por que Nina não verificou o histórico criminal da candidata à doméstica e por que ela tem tantos ciúmes da jovem funcionária? Não posso contar os motivos das várias interrogações pois, assim, daria o spoiler do romance – algo que não fazemos no Bonas Histórias. O que dá para garantir é que todos os questionamentos que fazemos durante a leitura possuem explicações lógicas que o próprio texto/história nos oferece.


Outro elemento da narrativa ficcional que está primoroso é o espaço narrativo. Em “A Empregada”, a residência dos Winchester é quase que uma personagem central da trama. Como nos filmes de terror ambientados em casas mal-assombradas, a propriedade dos vilões deste best-seller exerce uma forte pressão psicológica em Millie. Aí não é apenas a tensão dramática de dormir num sótão claustrofóbico o que gera suspense e mistério. Perambular de dia e de noite por um lar com pessoas pouco confiáveis provoca angústia na protagonista e deixa sua narrativa recheada de medos e preocupações. Qualquer coisa pode acontecer em um cenário sombrio.


Primeiro best-seller de Freida McFadden, A Empregada é o livro ficcional que apresenta o drama de Millie Calloway, a funcionária doméstica de uma estranha família de milionários em Long Island

Por falar em filmes de terror, o clímax e o desfecho de “A Empregada” caminham nesse sentido. Ou seja, as águas do suspense desaguam no rio caudaloso das tramas aterrorizantes. Para ser mais preciso em minhas palavras, os capítulos finais deste livro exploram o subgênero do Terror Body Horror (ou, em bom português, no Horror Corporal). Talvez as almas mais sensíveis se sintam mal com essa pegada mais forte e cruel. Confesso que gostei das tintas mais fortes contidas nas partes derradeiras da narrativa.


Ainda em relação ao epílogo, gostei bastante porque ele possui característica de moldura narrativa. Em outras palavras, o desenlace de “A Empregada” dá o pontapé para a vinda do segundo volume da série literária. Portanto, não foi mera casualidade ou oportunismo de Freida McFadden em lançar a sequência da história de Millie Calloway nos anos seguintes. De alguma maneira, essa semente já tinha sido plantada no título inicial da saga da empregada doméstica mais comentada da literatura norte-americana da atualidade.   


Depois desse longo desfile de elogios a “A Empregada”, é natural que eu reserve um espaço deste post da coluna Livros – Crítica Literária para a análise das derrapadas do romance de Freida McFadden. Sim, senhoras e senhores, ele tem também alguns tropeços (às vezes tropecinhos, outras vezes tropeções) de ordem narrativa. E eu não poderia deixar de comentá-los com os leitores do Bonas Histórias, né? Do contrário, meu texto adquiriria tom de chapa-branca e não é isso o que desejamos.


Em primeiro lugar, o uso do duplo narrador em primeira pessoa é questionável do ponto de vista da Teoria Literária. Esse talvez seja o aspecto mais delicado do livro. Deixe-me explicar o que aconteceu exatamente e o motivo do meu desconforto em relação à escolha do foco narrativo. A parte I é narrada por Millie. Até aí tudo bem. O bloco II é relatado por Nina. E na parte III, temos a mistura de ambos os textos: Millie é a narradora em alguns capítulos e Nina é a narradora em outros capítulos. Já o Prólogo e o Epílogo exigem a sagacidade do leitor para compreender quem está falando o quê.


É claro que grande parcela da graça da história de “A Empregada” está na série interminável de surpresas e reviravoltas que ocorre principalmente nas partes II e III do romance. Isso é inegável. E a mudança de narrador é parte essencial na elucidação dos aspectos da trama que permaneciam obscuros. Sei de tudo isso.


Publicado em abril de 2022 em e-book e em agosto de 2022 na versão física, A Empregada é o suspense psicológico de Freida McFadden que se tornou um dos livros ficcionais mais vendidos no mundo nos últimos anos

O que questiono é a perda de qualidade literária que temos quando a narradora-protagonista não consegue atingir determinado nível/alcance/parte da história. Ao invés da autora procurar uma solução criativa para esse problema, ela simplesmente muda o narrador. Convenhamos que, dessa maneira, até eu consigo assumir o papel de autor ficcional, né? Admito que gosto quando o romancista sabe trabalhar o foco narrativo de forma inteligente e sem condescendência, o que não foi o caso aqui. Obviamente que esse aspecto passa batido pelos leitores recreativos (99,9% do público). Porém, quem gosta de literatura de qualidade, se amarra na Teoria Literária e curte os elementos da narrativa ficcional, ficará um pouco decepcionado.   


Também preciso citar um ou outro vacilo do enredo. Por mais que “A Empregada” tenha uma trama muito bem encaixada e redondinha, ainda assim é possível encontrar alguns equívocos em sua história. O principal deles é sobre o quarto usado por Millie no sótão da mansão dos Winchester. No início do romance, ele é apresentado como uma suíte. Ou seja, há um banheiro acoplado ao quarto. Entretanto, nas partes II e III, quando esse aposento se torna fundamental para a dinâmica da trama, ele não tem mais o banheiro. Como assim?! Juro que não entendi essa mudança de cenário. Ou há um erro de sequência narrativa aí ou eu interpretei equivocadamente os capítulos iniciais (o que é bem possível!).  


Por mais que seja uma história original, preciso confessar que senti um leve aroma de déjà vu no ar enquanto lia “A Empregada”. Só na estante da literatura norte-americana, minhas lembranças voaram para conflitos e personagens de “Nada Dura Para Sempre” (BestBolso) e “Se Houver Amanhã” (BestBolso), ambos romances dramáticos de Sidney Sheldon, “O Lado Bom da Vida” (Intrínseca), comédia romântica de Matthew Quick, e “Pacto Sinistro” (Nova Fronteira), clássico do romance policial noir de Patricia Highsmith que foi adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock – “Pacto Sinistro” (Strangers on a Train: 1951) é uma obra-prima da sétima arte.


Da prateleira do cinema hollywoodiano, posso citar uma coletânea de filmes com elementos narrativos um pouco parecidos à mais famosa obra de Freida McFadden: “O Garoto da Casa ao Lado” (The Boy Next Door: 2015), thriller psicológico dirigido por Rob Cohen e protagonizado por Jennifer Lopez; “Homem nas Trevas” (Don't Breathe: 2016), terror de Fede Alvarez com Stephen Lang; “Doce Vingança” (I Spit on Your Grave: 2010), polêmico longa-metragem de Steven R. Monroe estrelado por Sarah Butler.


Médica e romancista norte-americana, Freida McFadden é autora de comédias românticas e thrillers psicológicos como o livro A Empregada

Nos dois parágrafos anteriores, tive o cuidado de usar termos como “leve aroma de déjà vu” e “elementos narrativos um pouco parecidos”. Portanto, não estou dizendo que “A Empregada” peca por enredo, conflito, desenlace e personagens sem criatividade. Definitivamente não é essa a minha impressão. Porém, naturalmente, vamos nos recordando de tramas e protagonistas similares em outras obras ficcionais tanto da literatura quanto do cinema.  


Em suma, apesar de um deslize aqui e outro acolá, algo perfeitamente normal e esperado em uma produção ficcional, admito que gostei bastante de “A Empregada”. De modo geral, o livro oferece uma excelente experiência literária. Acredito que o sucesso internacional deste romance de Freida McFadden seja merecido. Se você não leu esse best-seller, leia-o. Vale muito a pena. E se já teve a oportunidade de conhecê-lo, certamente estará propenso(a) a ver o filme em janeiro ou pegar o volume 2 da série narrativa nas estantes das livrarias. O importante, nesses casos, é seguir degustando as aventuras de Millie Calloway, uma das personagens mais interessantes e carismáticas da literatura norte-americana da atualidade.


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