Crônicas: Tempos Portenhos – Episódio 7 – A Capital Cultural da América do Sul
- Ricardo Bonacorci

- 27 de out.
- 27 min de leitura
Na sétima narrativa sobre como é viver em Buenos Aires, conhecemos a riqueza e a variedade da cena artística da metrópole argentina, polo do melhor do cinema, da televisão, do teatro, da literatura, da gastronomia, da arquitetura e das artes plásticas de nosso continente.

Com sua heterogeneidade, a América do Sul possui várias capitais dependendo do tema enfocado. Quando o assunto é setor financeiro e empresarial, a minha São Paulo desponta na vanguarda continental. Se olharmos para a qualidade de vida, Montevideo surge como referência absoluta. No campo da gastronomia, os olhares se voltam há muitos anos para os sabores e a criatividade de Lima. Por falar no Peru, pela perspectiva da arqueologia e da história pré-colombiana, Cuzco e Machu Picchu são inigualáveis. Se pensarmos na beleza natural e na cultura praiana, o Rio de Janeiro é o número um da região. Sob a ótica da arquitetura colonial, Quito se destaca como um destino imperdível. Barranquilla, Medelín, Bogotá e Ibagué, por sua vez, podem ser vistos como o quadrilátero musical dos sul-americanos. Já o centro político, queiramos ou não, é Brasília.
É claro que essas definições são extremamente subjetivas. Qualquer pesquisa rápida pela Internet e a simples consulta às mentes mais qualificadas mostrarão outros resultados. Por isso, preciso esclarecer desde já que o conteúdo do parágrafo anterior (e de todas as demais linhas deste post do Bonas Histórias) refere-se única e exclusivamente à minha visão (limitada e, literalmente, míope) da realidade deste pedacinho quase sempre esquecido do mundo. Estamos, em outras palavras, na estrada da opinião pessoal, senhoras e senhores. Ao invés de discordar, brigar e afrontar aquele que toma voz no debate, como é tão comum na esfera digital, talvez valha a pena ouvir (neste caso, ler) o que o amiguinho esteja falando (ou escrevendo). Vai que dessa vez, subvertendo o histórico de equívocos e a falta de bagagem cultural, ele tenha, enfim, razão (mesmo que em parte) em algo, né?
Fiz essa introdução totalmente desnecessária (ou, no melhor dos casos, excessiva) só para dizer que, na minha humilde percepção, Buenos Aires, a cidade em que vivo há dois anos y de quién sigo enamorado, é a capital cultural da América do Sul. Antes que as almas mais inconformadas de meus conterrâneos canalizem em mim e em meu texto os protestos, dou as boas-vindas ao episódio 7 de “Tempos Portenhos”, a coletânea de relatos sobre como é para um brasileiro viver na capital da Argentina.
Não sou ingênuo e sei o quanto a rivalidade Brasil e Argentina torna qualquer debate inteligente e sadio sobre as vantagens e as desvantagens dos dois lados da fronteira em um campo fértil para a polêmica. Prova disso ocorreu em Episódio 5 – Sentando-se à Mesa com os Argentinos e Episódio 6 – La Verdadera Cancha del Fútbol, publicações anteriores de “Tempos Portenhos”. Alguns compatriotas não gostaram quando disse, respectivamente, que a metrópole argentina possui pizzas melhores do que as de São Paulo e que Buenos Aires tem o futebol mais fervilhante do nosso continente. A partir das análises frias e racionais, seriam mesmo absurdos da minha parte esses apontamentos?! Sinceramente, acho que não. Tanto é que expliquei detalhadamente o meu ponto de vista.
Para os desavisados de plantão e para quem chegou agora a estas páginas escondidas nos recôncavos da Internet, aviso que “Tempos Portenhos” faz parte da coluna Contos & Crônicas. Desde 2024, estou relatando como é para um brasileiro viver em CABA – Ciudad Autónoma de Buenos Aires. Se preferir, pode chamar as margens mais caóticas do Rio da Prata de Baires ou BsAs, outros apelidos comuns do Distrito Federal da Argentina entre seus moradores. Ou como gostava de cantar Gustavo Cerati, estamos falando de (En) La Ciudad de la Furia. Adoro esse rock clássico dos anos 1980 do Soda Stereo.
Além das duas crônicas que citei nos parágrafos acima, cujos temas eram, respectivamente, a culinária/gastronomia argentina e o cenário esportivo-futebolístico de Buenos Aires, esta série de narrativas não ficcionais (que se estenderá até meados de 2026) já tratou: da sensação de segurança que temos ao caminhar pelas ruas e avenidas de Baires (Episódio 1 – Distopia Paulistana ou Carioca); do hábito dos portenhos de curtir os ambientes externos de sua cidade (Episódio 2 – Vida ao Ar Livre); da adoração local pelos animais de estimação (Episódio 3 – Dogland: Cães Felizes); e dos desafios dos brasileiros para aprender o castelhano rio-platense (Episódio 4 – O Espanhol Argentino).
Para o ano que vem, estão programados mais três capítulos desta que é a nona temporada de coletâneas textuais da coluna Contos e Crônicas: a imprevisibilidade da economia local (Episódio 8: A Montanha-russa Chamada Economia); as diferenças entre as regiões portenhas (Episódio 9: Passeio pelos Bairros de CABA); e a integração afetiva entre brasileiros e argentinas (Episódio 10: Amores e Desamores). Por fim, ainda publicarei um panorama geral da minha estada em tierras hermanas (Conclusão: Meu Lugar no Mundo).
Essa é a visão completa de “Tempos Portenhos”, exclusividade do Bonas Histórias. Contudo, hoje tratarei apenas da questão da riqueza e da variedade artístico-culturais de Mi Buenos Aires Querido. Para quem não pegou a referência, alerto que a intertextualidade agora foi com o clássico tangueiro de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera, dupla responsável por composições célebres como “Por Una Cabeza”, “El Día que Me Quieras”, “Volver” e “Sus Ojos Se Cerraron”. Até posso ouvir os versos de “Mi Buenos Aires Querido” ecoando no ar: “Mi Buenos Aires querido/Cuando yo te vuelva a ver/ No habrás más pena ni olvido”.
Voltando ao nosso assunto do episódio 7... comparada a qualquer metrópole brasileira, a capital argentina se transforma na meca das artes e da cultura sul-americana. Para meus argumentos ficarem mais bem organizados (tenho TOC com esse negócio de arrumação), divide o novo post em seis tópicos (ou subtópicos, como preferirem). Cada uma dessas partes mostrará o quão factual é a minha tese (ao menos aos meus olhos deveras parciais). Ainda assim, por mais que acredite pra valer nessa teoria que criei, sei que ela não deixa de ser uma mera hipótese. Nesse caso, contrariando o velho ditado, digo: contra fatos, há sim argumentos!

1) Na média, o portenho é mais culto do que o brasileiro
Uma cidade não pode respirar (e transpirar) arte e cultura se o seu povo não for fortemente inclinado a essas temáticas. Dessa maneira, começo explicando que o portenho (gentílico da cidade de Buenos Aires) é, em média, bastante culto se comparado à realidade brasileira. Notei essa particularidade quando vivi pela primeira vez na capital da Argentina entre 2004 e 2005. Há pouco mais de vinte anos, trabalhava na área de Vendas da Coca-Cola e fui enviado para passar uma temporada na unidade de lá. E, assim, pude conversar e interagir com muitas pessoas. Com meus vinte e poucos anos (era uma criança!), o que mais me impressionou foi o nível cultural dos funcionários da Coca, até mesmo o pessoal mais humilde, e dos clientes que atendíamos diariamente, pequenos comerciantes.
Quando visitava supermercados, mercadinhos de bairro (os famosos chinos) e kioscos (negócio clássico de Buenos Aires), interagia com os repositores da minha empresa. Esse era o cargo mais simples da companhia. Basicamente, ele era ocupado por jovens que estavam entrando no mercado de trabalho. Sua função era levar as bebidas do estoque ao salão de vendas e organizá-las segundo as ações promocionais vigentes e o padrão de Merchandising da marca.
Na interação cotidiana com esses jovens argentinos, eles me perguntavam da música brasileira – muitos eram fãs de Herbert Vianna e do Paralamas do Sucesso e alguns curtiam Roberto Carlos – e do cinema brasileiro – o filme nacional mais comentado por lá era “Cidade de Deus” (2002). A empolgação e a curiosidade deles pelo meu país eram intermináveis. Aí quando eles me questionavam o que eu sabia da música e do cinema da Argentina, o silêncio tomava conta da nossa conversa, para a minha vergonha.
Com os vendedores da Coca-Cola acontecia algo parecido. Proseava com eles sobre a economia e a política do Brasil com enorme naturalidade. Me lembro que muitos portenhos sabiam de cabeça os nomes dos ministros da Fazenda (Antônio Palocci), das Relações Exteriores (Celso Amorim) e da Cultura (Gilberto Gil) daqui e comentavam o que eles estavam fazendo de positivo e de negativo. Juro que fiquei chocado. Eu, um executivo brasileiro momentaneamente expatriado, não sabia direito quem era o presidente da Argentina (Néstor Kirchner). O que dirá, então, os nomes de seus principais ministros e os projetos desses ministérios, né?! Foi aí que descobri o enorme hiato entre a educação, a cultura e o conhecimento dos dois povos.
Passadas duas décadas, noto que essa essência não mudou muito em Buenos Aires, apesar do nível educacional da população local ter apresentado, na média, nítidos retrocessos. Geralmente, os portenhos e os migrantes que vivem em CABA há muito tempo aproveitam a imersão cultural e possuem excelente conhecimento do que ocorre tanto no país quanto no mundo, principalmente no cenário artístico.
Assim, é normal uma sommelier argentina falar de Raul Seixas, Nelson Pereira dos Santos e Clarisse Lispector em um date com um brasileiro. Ou a colombiana que vive em BsAs há quinze anos e trabalha com Marketing debater a literatura de Isabel Allende, a ficção de Paulo Coelho e o portfólio de J. J. Benítez de igual para igual com o escritor de São Paulo residente há pouco por lá. Ou a venezuelana gatinha com seis anos de Argentina e que nunca pisou no Brasil prosear com desenvoltura sobre as telenovelas da Rede Globo (apesar de não saber da recente saída de armário de Reynaldo Gianecchini) e a gastronomia brasileira (viva o brigadeiro e os doces de Festa Junina!).
Sempre que relato essa diferença cultural para os meus compatriotas que vem me visitar no bairro de Saavedra (abraços, Paulo, Marcela, Eduardo, Carla, Luís, Mara e Daniella), ouço uma série de justificativa por parte deles. Contudo, nenhuma delas me convenceu até agora. O que serve de atenuante é que meu retrato das realidades brasileiras e argentinas é apenas um recorte mínimo e parcial. Vai que eu esteja sendo injusto para um lado e condescendente para o outro. Pode ser!
Ainda assim, falo em alto e bom tom sem qualquer receio: considero, na média, os portenhos mais cultos, educados (no sentido de formação escolar) e bem-informados do que os paulistanos e os cariocas, para ficarmos na comparação com as duas maiores cidades brasileiras. Durmamos com essa bomba!

2) O mito de que Buenos Aires tem mais livrarias do que o Brasil inteiro
Corroborando com o que expus no tópico (ou subtópico) anterior, um passeio rápido pelas ruas da capital argentina demonstra a força da literatura e dos livros, um excelente indicativo da força cultural de uma região e da intelectualidade de seu povo. Em qualquer bairro central de CABA, encontramos ao menos uma livraria de rua a cada sete ou oito quarteirões. É isso mesmo o que você leu. Em Buenos Aires, esse tipo de loja não desapareceu como em muitas metrópoles brasileiras (e mundiais). Por exemplo, a livraria mais perto de casa, a Metonimia Libros, está a menos de 150 metros do meu edifício. Quer dizer, então, que moro perto de uma grande avenida ou de ruas bastante movimentadas? Nada disso. Essa livraria está localizada no meio de um bairro residencial extremamente calmo e com baixa circulação de pessoas. Seria essa loja uma exceção? Batendo perna por aí, noto que não.
Se há muitas livrarias é porque deve ter público consumidor, certo?! Essa hipótese básica da relação oferta-demanda é constatada quando observamos o hábito de leitura dos portenhos. No transporte público (ônibus, trem e metrô), nos parques da cidade, na Costanera e nos cafés, notamos muitas pessoas lendo. Por mais que a maioria ainda fique com a cara mergulhada nas telas de celulares e smartphones (provavelmente nas redes sociais e nas conversas do WhatsApp), temos uma parcela considerável de gente com livros, jornais (sim, ainda se lê jornal em Buenos Aires) e aparelhos Kindle em mãos. Curiosamente, só não vejo ninguém lendo revista – não sei o motivo. Talvez eu seja mesmo o último apreciador desse tipo de publicação. Com algum embaraço, admito que não largo meu tablet e não vivo sem a conta no GoRead.
Portanto, se comparado ao que via em São Paulo e no Rio de Janeiro, posso garantir que há uma multidão de leitores em Baires. Infelizmente, meus compatriotas não são chegadinhos à leitura, independentemente da classe social, da faixa etária e do nível educacional. Convenhamos que isso explica muita coisa em nossa nação!
E por mais que procuremos explicações para essa diferença cultural, vou logo avisando que o preço médio dos livros na Argentina é muuuito superior ao do Brasil. Se em meu país um romance convencional sai por R$ 50,00 ou R$ 60,00 (de 3 a 4% do salário mínimo nacional), na terra de Julio Cortázar o valor de uma ficção comercial está entre AR$ 40.000,00 e AR$ 50.000,00. No câmbio atual, o livro argentino custa de R$ 140,00 a R$ 180,00 (de 13 a 16% do salário mínimo local). Convenhamos que o hobby da literatura é um hábito caríssimo por lá, né? Ainda assim, a população segue efetuando compras nas livrarias e lendo livros com mais frequência do que no Brasil.
O hábito portenho pela leitura alimentou por muitos anos o mito de que Buenos Aires teria mais livrarias do que o Brasil inteiro. Por mais que tal comparação não seja tão amalucada assim, preciso dizer que essa lenda não é verdadeira. A capital argentina tem sim muito mais livrarias do que qualquer grande cidade que se fala o português. Mesmo assim, ela não consegue superar a quantidade de lojas do país vizinho de tamanho continental.
O que pode ter alimentado o bizarro mito foi o fato de que a palavra “librería” no espanhol rio-platense designar tanto os estabelecimentos que vendem livros (as nossas livrarias tradicionais) quanto os locais em que se comercializam materiais escolares e de escritórios (o que para os brasileiros é a papelaria) e que prestam serviços de fotocópias e impressões (que chamamos popularmente de Xerox). Nesse caso, se somarmos as livrarias, as papelarias e as Xerox portenhas (que os argentinos chamam tudo de “librerías”), aí sim pode ser que haja maior número do que as livrarias (palavra exclusiva para as lojas de livros) no Brasil. Mesmo assim, ainda acho difícil e pouco provável essa vitória (um tanto trambiqueira) de los hermanos.
De qualquer maneira, a quantidade de livrarias de Buenos Aires é de matar de inveja os apaixonados pela literatura. Inclusive, a El Ateneo Grand Splendid, a livraria mais famosa da Argentina (e talvez da América Latina), segue aberta, muito movimentada e lindíssima. Por aqui, as lojas de livros não faliram (como a Livraria Cultura, a Saraiva, a Nobel, a FNAC) nem fecharam para dar espaço para igrejas evangélicas, lojas de departamento, farmácias e outros comércios de finalidades pouco artístico-culturais. De tão interessante que é a visita ao El Ateneo Grand Splendid, ainda vou comentar no Bonas Histórias a experiência de passear por seus corredores e estantes. Não por acaso, esse é um dos programas turísticos imperdíveis dos brasileiros em visita a Buenos Aires.

3) A indústria do cinema mais vigorosa do continente
Como um bom brasileiro, celebrei bastante a vitória de “Ainda Estou Aqui” (2024), filme de Walter Salles baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, na última edição do Oscar. Conforme discuti no post sobre os vencedores da estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles em 2025, esse foi o ponto máximo da cultura nacional. Apesar da alegria, da festa e do orgulho pela conquista verde e amarela, não concordei com quem afirmou que, enfim, tínhamos o melhor cinema do mundo (fora dos Estados Unidos). Pera lá!!! Não é porque uma produção arrematou o Oscar de melhor filme internacional que sua indústria cinematográfica se torne do dia para a noite a melhor do planeta, né?
Para ser ainda mais preciso em minha avaliação, me sinto na obrigação de desmontar algumas crendices infundadas. O cinema brasileiro não é referência mundial, tampouco é líder continental. Na América Latina, as indústrias cinematográficas mais importantes são a da Argentina e do México. Enquanto a primeira se destaca pela qualidade das obras e pelo alto volume de longas-metragens exportados, a segunda é reconhecida pelo grande volume de títulos e pelo mercado interno vigoroso. Não por acaso, esses dois países colecionam estatuetas do Oscar há décadas. Se não venceram na última edição, têm encantado os cinéfilos dos quatro cantos do planeta há muito, muito tempo.
Ao morar na Argentina por um período maior, consegui visualizar com mais nitidez a força do seu cinema. A sensação é que toda semana é lançado um novo filme nacional no circuito comercial. Sei disso porque no primeiro ano vivendo em Buenos Aires, um dos meus programas favoritos de final de semana era ir às salas escuras para curtir uma produção local. Assim, falo com propriedade sobre a excelência dos títulos do cinema argentino. Alguns deles comentei na coluna Cinema, como “El Duelo” (2023), thriller romântico dirigido por Augusto Tejada e protagonizado por China Suárez e Joaquín Furriel, “Mensagem em Uma Garrafa” (Mensaje en Una Botella: 2025), fantasia dramática de Gabriel Nesci com Luisana Lopilato, e “Homo Argentum” (2025), comédia crítica de Mariano Cohn e Gastón Duprat com Guillermo Francella. Porém, a maioria não ganhou análises completas no Bonas Histórias, apesar de ter qualidade para tal.
De modo geral, quatro aspectos me encantam quando falamos da sétima arte do meu novo país: (1) o volume de filmes produzidos anualmente; (2) a qualidade média dos longas-metragens argentinos; (3) a variedade de gêneros cinematográficos lançada no circuito comercial; (4) a consolidação e o vigor das estruturas da indústria audiovisual local. Tratemos com mais profundidade, nos próximos parágrafos, desses aspectos, senhoras e senhores.
A Argentina lança em torno de 50 a 60 filmes anualmente. É claro que esse número não chega perto da escala de países como Estados Unidos, Índia, Nigéria, França, Inglaterra, Canadá, Austrália, China, Japão, Coreia do Sul, Espanha, Itália e Alemanha, que apresentam produções anuais na casa dos três dígitos (em alguns casos, até de quatro dígitos). Porém, para o cenário da América Latina, trata-se de um excelente volume. Ainda mais porque esse patamar não é recente e sim uma constante de algumas décadas. Prova disso é que países bem maiores do que a Argentina, como México e Brasil, têm dificuldades para acompanhar esse ritmo e regularidade. Faça sol ou faça chuva, tenha crise econômica ou tenha crise econômica (por aqui não há outra opção além do caos permanente), as rodas do cinema argentino seguem girando com velocidade.
Ainda assim, como cinéfilo, o que mais me impressiona não é a alta quantidade de longas-metragens lançados aqui e sim a qualidade média de seus títulos. Pode perceber que são raras as produções de baixa qualidade. Elas até existem, mas são minoria. De dez filmes argentinos que vejo, um ou dois são espetaculares (nota de 9 a 10), cinco são bons ou muito bons (nota entre 7 e 8,5), dois ou três são regulares (nota 5 a 6,5) e apenas um é ruim (nota inferior a 4,5). Conheço muitas nações (não vale aqui as citações nominais, tá?) que a lógica é oposta: assistimos a muitos longas-metragens ruins até acharmos dois ou três bons e, quem sabe, um excelente.
Algo que estimula a qualidade do cinema da Argentina é a compreensão que este é um produto a ser exportado. Assim, a concorrência não é interna e sim externa. Por mais que os filmes nacionais ganhem destaque no mercado de exibição doméstico e sejam vistos pelos próprios argentinos, o foco quase sempre é a crítica e as plateias internacionais. Com tal perspectiva, não dá para entregar qualquer coisa. Para se ter êxito nos principais mercados do planeta, é obrigatória a excelência do roteiro, da fotografia, do elenco, da edição, do som, da iluminação, do figurino, do cenário etc. Em outras palavras, os altos padrões de qualidade movem os profissionais da sétima arte da Argentina.
O mais legal é perceber que o cinema daqui é plural. Ele não fica restrito a um ou a dois gêneros cinematográficos. Anualmente, as salas de exibição recebem títulos de terror, suspense, drama histórico, thriller psicológico, comédia romântica, tragicomédia, animação, ficção científica, trama policial e ação. A qualidade e a quantidade são mais ou menos uniformes entre esses gêneros, o que só comprova a maturidade de produtores e do público espectador.
Por fim, vem a parte que considero a mais difícil de se obter: o cinema argentino está inserido numa indústria cinematográfica local com bases vigorosas e consolidadas, algo que, infelizmente, ainda não vejo no Brasil. Mas o que é possuir a dinâmica de indústria?! É ter profissionais, processos, empresas, infraestrutura, tecnologia e parceiros responsáveis por entregar constantemente grande quantidade de produtos e em alta qualidade. Ao invés de desenvolver as obras artísticas de maneira informal, artesanal, amadora e no improviso, a Argentina exibe um complexo sistema cinematográfico e uma forte cultura cinéfila.
Em Buenos Aires, há faculdades de cinema, cursos de direção (por aqui, não é loucura juvenil trabalhar nessa área), produtoras especializadas em sétima arte (Palermo Hollywood tem esse nome por ser o bairro que concentra as produtoras audiovisuais da cidade), roteiristas, editores, músicos e atores/atrizes focados em cinema. Há histórico de políticas de incentivo à produção audiovisual, patrocinadores privados interessados no fomento do cinema local e parceiros externos acostumados a distribuir os títulos argentinos no exterior. Existe também o hábito de se visitar as salas de exibição regularmente. Neste ambiente, não é surpresa que surjam bons filmes todos os meses.
Se não fosse pouca coisa o que acabei de relatar sobre o cinema da Argentina, o país também tem um histórico admirável no campo da produção televisiva. Prova cabal disso é a overdose de sucessos recentes. De cabeça, posso citar alguns seriados de TV que conquistaram, nos últimos anos, os corações dos habitantes locais e das plateias mais exigentes nos quatro cantos do planeta: “O Faz Nada” (Nada: 2023), “Meu Querido Zelador” (El Encargado: 2022-2024) e “O Eternauta” (El Eternaura: 2025). Não é errado dizer que surge anualmente um grande êxito argentino nas plataformas de streaming. E que a televisão argentina seja um dos polos continentais neste período do Pós-Pandemia.
Um dos charmes de Buenos Aires é caminhar pela cidade e encontrar os profissionais da televisão e do cinema fazendo gravações externas. Confesso que já perdi as contas de quantas vezes testemunhei tais cenas. E olha que moro em um bairro bem afastado do centro. Sempre que estou na companhia de visitantes brasileiros e vejo uma equipe de filmagem, aponto o dedo para a aglomeração e falo com convicção: “Olha quem está ali! É o Ricardo Darín. Que legal, né? Outra vez encontrei ele”. E saio andando normalmente (com um sorriso zombeteiro). Em 100% das vezes, meus amigos e familiares não percebem minha ironia e ficam procurando desesperadamente Darín, o único ator argentino que conhecem, no meio da pequena multidão.

4) Avenida Corrientes é a Broadway argentina
Por mais apaixonado que eu seja pela literatura e pelo cinema (talvez devesse dizer pelo audiovisual) argentinos, o que mais me surpreendeu morando em Buenos Aires foi constatar a riqueza e o poderio do teatro portenho. Aí não há comparação que possa ser feita com nenhuma outra região do nosso continente. A capital da Argentina tem disparadamente a cena cênica mais pujante e encantadora da América Latina. Ponto final!
Para quem duvida de minhas palavras (algo que SEMPRE recomendo aos leitores do Bonas Histórias), sugiro visitar a Avenida Corrientes à noite, a via mais vibrante, movimentada e iluminada de CABA. Essa rua, que vai de Puerto Madero até Chacarita em mais ou menos oito quilômetros de comprimento, respira cultura e arte, principalmente teatro. Não à toa, ela é chamada de Broadway de Buenos Aires. Estão achando que é exagero da minha parte e dos argentinos?! Então, segurem-se na cadeira porque aí vai uma informação desconcertante: na Corrientes, estão mais de 200 salas de teatro. Para quem acha que leu errado ou que eu escrevi incorretamente o dado, vou repetir com calma: são mais de duas centenas de salas dedicadas às apresentações da dramaturgia. Isso em uma só avenida de Buenos Aires. Se você souber de outra cidade sul-americana que reúna algo parecido, por favor, me avise. Porque eu não conheço nada próximo dessa dimensão.
Só no pedacinho entre a Avenida Callao (esquina que fica a La Opera Bar Restaurante) e Avenida 9 de Julio (onde está o Obelisco), meu trecho favorito da Avenida Corrientes que deve ter um quilômetro de extensão, contei certa vez dez complexos teatrais. Cada um deles possuía uma porção de salas (daí os três dígitos no âmbito geral de salas desta via). É importante dizer que nessa minha conta de padaria e feita apenas com os olhos, não considerei os espaços cênicos que ficavam nas ruas laterais. Só valeram os teatros que tinham entrada/saída diretamente pela Corrientes. Incrível, né?
Essa avenida é impressionante por vários motivos, além da overdose de casas de espetáculos. De dia, ela se parece com qualquer outra via movimentada da metrópole portenha. Porém, quando o sol desaparece e o céu escurece, a Corrientes se torna extremamente charmosa. Os luminosos gigantescos dos teatros dão realmente um ar de Broadway ao cenário. Metade das faixas destinadas aos carros é fechada e os pedestres ganham um calçadão extra para usufruir. O movimento é maior entre as sextas-feiras e os domingos, dias nobres do teatro. Ainda assim, é bom avisar, que as quartas e as quintas-feiras são bem animadas por ali. Porque a programação teatral da Corrientes vai, acredite se quiser, das quartas aos domingos, algo que não ocorre em São Paulo há muito, muito tempo. Só às segundas e às terças-feiras os teatros fecham (todo mundo tem direito ao descanso na escala 5x2, não é mesmo?) e avenida perde um pouco da efervescência e brilho.
Se alguém pensou que os teatros portenhos são simples, pequenos e amadores, uso duas frases famosas de Compadre Washington: “Sabe de nada, inocente”; e “Que abundância, meu irmão, assim você vai matar o papai”. Na Avenida Corrientes, os principais complexos teatrais oferecem espetáculos de altíssima qualidade. Quem curte o melhor da dramaturgia, certamente ficará encantado(a) com a programação teatral de Buenos Aires.
Como exemplificação prática do que é a experiência de acompanhar in loco uma peça no templo teatral da capital da Argentina, analisei “Made in Lanús” na coluna Teatro, no ano passado. Essa é uma produção clássica da dramaturgia argentina que foi escrita por Nelly Fernández Tiscornia na década de 1980 e segue representando muitíssimo bem o drama de um povo castigado pelas oscilações da economia e pela vontade de emigrar. Na nova encenação que estive presente, o charme foi a presença de Luis Brandoni, diretor da peça e um dos atores mais famosos do país. Quem assistiu ao seriado “O Faz Nada” se recordará dele. Brandoni interpretou Manuel, o divertidíssimo crítico gastronômico.
O mais interessante da Corrientes é que sua vitalidade teatral vem integrada às experiências gastronômicas, literárias e cinematográficas. Porque ao lado das casas de espetáculos, há vários restaurantes, bares, pizzarias, lanchonetes e sorveterias de excelente qualidade. Também existem incontáveis livrarias e sebos com preços ótimos (para o padrão argentino). E, por fim, temos algumas boas salas de exibição da sétima arte. Portanto, a avenida une o útil ao agradável. Quando você for assistir às peças por ali, não tenha receio de estender o passeio cultural. Tenho certeza de que você não se arrependerá.
Sempre que vou ao teatro ou ao cinema na Corrientes (o Cine Lorca é o meu favorito naquele pedacinho de Buenos Aires, se bem que o Cine Gaumont, meu cinema preferido na cidade, não está tão distante), chego pelo menos uma hora e meia antes da exibição. Aproveito para bater perna pelo calçadão ou mesmo pela via fechada para os carros. Invariavelmente, entro em alguns sebos e livrarias e dificilmente saio de lá sem um livro em mãos. Se você procura por lojas ao estilo do El Ateneo Grand Splendid, talvez fique frustrado(a). Nesse canto da cidade, os estabelecimentos literários são muitíssimo mais simples e voltados para o preço, algo que me apetece mais.
Ao final das sessões teatrais e cinematográficas, não consigo resistir e vou à Pizzería Güerrín, a mais famosa casa de pizzas de Buenos Aires. Se você curte redondas e adora conhecer lugares diferenciados, certamente se encantará com esse estabelecimento icônico da gastronomia da Corrientes. Ela fica bem em frente ao Teatro Metropolitan, um dos complexos teatrais mais famosos da capital argentina. Gosto tanto da Güerrín que quando penso em teatro e cinema, automaticamente me vem à mente una porción de Muzzarella, Jamón y Morrones y una porción de Fugazzeta. Quando não saio da pizzaria rolando de tanto comer, caminho alguns metros pela avenida e dou uma parada estratégica na Cadore Gelato Artigianale, para mim a melhor sorveteria de (En) La Ciudad de La Furia.
Para os brasileiros que se perguntam “Mas será que é perigoso caminhar à noite pela região central de Buenos Aires?!”, sugiro a leitura de Episódio 1 – Distopia Paulistana (ou Carioca), a primeira crônica de “Tempos Portenhos”. A sensação de segurança que sentimos na metrópole argentina é de fazer meus compatriotas morrerem de inveja. É justamente nesse momento em que percebemos o quão perigosas são as cidades brasileiras. A impressão que tenho é que poucos países e lugares do mundo tem o nível de insegurança e criminalidade que as nossas capitais, seja de dia, seja de noite. Ai, ai, ai. Pobre Brasil. Pobre do povão brasileiro.

5) A metrópole que canta e dança
Nesse novo post de “Tempos Portenhos”, já tratei de literatura, cinema, televisão e teatro. Além do mais, tangenciei algumas vezes o tema da gastronomia em Buenos Aires. O leitor mais atento da coluna Contos e Crônicas irá perceber que, dessa maneira, estamos abraçando pouco a pouco todas as vertentes artístico-culturais da capital argentina. É justamente esta proposta desta publicação. Seguindo nessa caminhada, quero agora falar especificamente da música e da dança. Afinal, estamos numa cidade que respira Rock e baila Tango, uma combinação de difícil assimilação para o público estrangeiro. Talvez só os fãs do Bajofondo, banda de Tango Eletrônico formada por músicos argentinos e uruguaios, estejam acostumados com as mesclas sonoras mais heterodoxas desse pedacinho do nosso continente.
Por mais que os gringos encarem Buenos Aires como a Meca do Tango, o ritmo musical que mais combina com a paisagem local, com os hábitos de seus habitantes e com a cultura metropolitana é o Rock. Nesse caso, estamos falando do bom e velho Rock and Roll das décadas de 1980 e 1990, que os argentinos chamam de clássicos do Rock Nacional. É esse o gênero que é mais tocado pela cidade. Logo atrás vem a Cúmbia e, mais recentemente, o Reggaeton. Obviamente, a fonte dessas informações é o DataRicardinho, instituto de pesquisa localizado em algum setor sombrio da minha mente.
Pode reparar: na playlist do Uber, na caixa de som da baladinha descolada de Palermo ou Puerto Madero, no som ambiente da recepção do dentista em Belgrano ou do médico na Villa Crespo e no micro systems da barraquinha das onipresentes feiras livres das praças de CABA, o Rock em espanhol (e em inglês) predomina. Muitas vezes, a sensação é que voltamos duas ou três décadas no tempo, pois as bandas e os cantores há muito tempo saíram de moda (pelo menos nos outros cantos do planeta). Quando ouvimos algo dos anos 2000, pensamos assustados: “que legal, uma canção moderna”.
Essa obsessão dos portenhos pelo Rock é um convite natural para os fãs desse ritmo – coloca o dedo aqui que já vai fechar! Quando os astros internacionais planejam uma nova turnê mundial, invariavelmente colocam Buenos Aires em sua escala porque sabem da enorme demanda existente na cidade. Conheço muitos roqueiros que vem para a Argentina, mas não vão para o Brasil. No caso das bandas e dos cantores de língua espanhola, essa dinâmica é ainda mais forte. Ou você se recorda da última apresentação do No Te Va Gustar (Uruguai), do Maná (México) e do Vetusta Morla (Espanha) em São Paulo ou no Rio de Janeiro, hein? Ou você soube da ida dos argentinos do Los Fabulosos Cadillacs e do Él Mató a un Policía Motorizado para nosso país?! Sinceramente não me lembro.
Até os principais artistas brasileiros vem bastante para a Argentina. Quando vivi em Buenos Aires pela primeira vez, fui a um show no Monumental de Núñez do Paralamas do Sucesso. Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone são muito queridos pelos argentinos e possuem uma legião de fãs por aqui. Como consequência, o trio formado no Rio de Janeiro sempre coloca a capital hermana em seu itinerário e tem a preocupação de compor e traduzir suas canções para o espanhol. Para os portenhos, o Paralamas é meio brasileiro, meio argentino.
É tanto show bom acontecendo que fico com a impressão de que os moradores de Buenos Aires não têm a necessidade de frequentar grandes festivais de música, como o Rock in Rio, o The Town e o Lollapalooza. Porque a programação rotineira de sua cidade já contempla uma espécie de overdose musical todos os meses. Sei disso porque moro pertinho do Estadio Obras Sanitarias, o templo roqueiro da Argentina localizado em Núñez. E o movimento por lá é frenético, seja de pessoas comprando ingresso, seja de fãs aguardando a abertura dos portões. Há muita gente do interior do país que dá uma passadinha por lá só para conhecer o lugar.
Na minha atual temporada pela capital argentina, o show mais marcante que fui foi o de Kevin Johansen no Teatro Coliseo de Buenos Aires. Em maio do ano passado, meu cantor favorito lançou “Quiero Mejor”, seu décimo álbum, e pude estar presente na plateia. Juro que me emocionei pra valer naquela noite mágica, conforme relatei num post da coluna Músicas.
Então quer dizer que só tem Rock em CABA, Ricardo? Não há Tango em nenhum lugar da cidade?!! Calma, calma, querido(a) leitor(a) do Bonas Histórias. Apesar da cena roqueira ser predominante, existe sim espaços para o ritmo mais famoso do país. A questão é que esses locais são mais voltados para os turistas do que para os moradores. Sinceramente, desconheço um(a) argentino(a) ou um(a) migrante que vive há muito tempo aqui que frequente assiduamente as casas de Tango. Falo por mim: só vou lá quando preciso levar o pessoal que vem me visitar do Brasil e deseja vivenciar essa experiência cultural.
Nesses momentos, os estabelecimentos que mais vou são o La Catedral Club e o El Boliche de Roberto. Ambos são locais bem alternativos no encantador e boêmio bairro de Almagro. O primeiro é uma antiga igreja que se transformou numa escola tangueira. À tarde, há aulas em suas salas. E à noite e de madrugada, o público do La Catedral Club pode conferir shows de dança de professores, alunos e artistas convidados. Aí todos vão para o salão principal. A sua decoração gótica é um charme à parte.
Por sua vez, El Boliche de Roberto, é um bar centenário que promove todas as noites cantoria de Tango. O ambiente é meio insalubre, ao estilo boteco de quinta categoria. Jamais vá ao banheiro de lá, por favor! Para quem tem espírito aventureiro (e nenhum pudor à higiene, ao constante empurra-empurra e à falta de conforto), as apresentações são muito legais.
Para a galera que deseja vivenciar experiências mais sofisticadas de Tango (e, portanto, está disposta a pagar mais caro por isso), as opções que recomendo são a Esquina Homero Manzi, no bairro de Boedo, e o Madero Tango, no bairro de Puerto Madero. O primeiro é uma tradicional casa de shows em que os clientes provam jantar completo (entrada, prato principal e sobremesa) e, nos intervalos das refeições, apreciam bons espetáculos de dança e cantoria. Ou seria o contrário: no intervalo dos shows, o pessoal come? Pode ser também. Fui uma vez na Esquina Homero Manzi e achei bem legal.
O Madero Tango é a versão mais moderna e chique dessa proposta. A diferença é que a casa de espetáculo é maior e mais confortável e os shows de Tango se assemelham às superproduções da Broadway. A brincadeira é beeem cara, mas vale cada tostão aplicado. É realmente para deixar os turistas (endinheirados) de boca aberta.

6) A valorização da história e da cultura local
Outro aspecto que adoro em Buenos Aires é que tanto seus moradores quanto o governo do Distrito Federal valorizam a história, a arquitetura e a cultura local. Por exemplo, os bares, os cafés, os restaurantes e as confeitarias mais tradicionais ganham formalmente o título de Bares Notáveis. Com essa designação, eles se tornam patrimônio histórico-cultural da cidade. Assim, entram num roteiro gastronômico diferenciado da capital argentina e podem participar de ações promocionais e campanhas publicitárias promovidas pelo governo.
Fazem parte do seleto grupo de Bares Notáveis o Café Tortoni (cafeteria no Centrão), a Confiteria Ideal (confeitaria no Centro), o El Preferido de Palermo (bodegón em Palermo Soho), a Las Violetas (confeitaria em Almagro) e mais algumas dezenas de estabelecimentos. É muito legal conhecê-los, seja nos períodos especiais (como na Noite dos Bares Notáveis, evento promovido anualmente pelo Ministério da Cultura e que neste ano ocorreu na quinta-feira retrasada), seja no dia a dia (en la merienda riquísima com a bela venezuelana de Almagro ou en el desayuno divertido com a turminha de amigos brasileiros em visita à Baires).
Por falar na Noite dos Bares Notáveis, é bom dizer que este tipo de evento promocional ocorre com frequência em vários campos artísticos. Normalmente, eles ganham a adesão de multidões, que lotam os estabelecimentos. Na Noite dos Museus, a população enche os mais de 250 espaços culturais de Buenos Aires entre o final da tarde e a madrugada. Fala sério: você consegue imaginar uma cidade em que há fila para entrar nos museus às 2h da madruga, hein?! Na América Latina, só mesmo os portenhos são capazes de um feito assim. Na última edição, o número de participantes beirou um milhão de visitantes nos museus de CABA em uma única noite. Quem gostou da proposta, já aviso que a Noite dos Museus de Buenos Aires em 2025 será no sábado, 8 de novembro.
É tanto evento interessante acontecendo mensalmente que a melhor maneira para se inteirar das notícias do cenário artístico-cultural da capital argentina é acessando o site do Ministério da Cultura: https://turismo.buenosaires.gob.ar/es.
Além da programação oficial, há também os passeios que já se tornaram clássicos pela cidade. Aos finais de semana, os bairros ficam mais coloridos com as feiras livres que são montadas nas ruas e nos parques. As mais famosas são a Feria de San Telmo (mais turística e voltada para o artesanato) e a Feria de Matadero (mais raiz e com pegada de cultura folclórica). Porém, existem várias. Praticamente cada bairro tem a sua feira livre que merece uma passada. A Feria de Saavedra, onde moro, acontece aos sábados, domingos e feriados ao lado do Parque Saavedra. Sou figurinha carimbada por lá.
Outros centros populares de compra de Buenos Aires são o Once (versão portenha do Brás e da 25 de Março em São Paulo ou da Feira do Saara no Rio de Janeiro) e a Villa Crespo (com vários outlets). Para quem deseja mais cultura e menos consumismo, as opções ao ar livre são a Barrancas de Belgrano (todas as noites há aulas e gente dançando Tango por lá), o Jardim Japonês (lindíssimo), o Rosedal (uma volta no pedalinho no lago é um passeio divertidíssimo) e a Costanera de Vicente López (o beira-mar mais legal da região metropolitana).
Quando o assunto é museu, a ida ao Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires) é obrigatória. Além de reunir o melhor da arte moderna e contemporânea da América Latina, ele tem uma arquitetura deslumbrante. Para coroar, é em suas paredes que está o Abaporu, a obra-prima de Tarcila do Amaral e o quadro mais valioso de um artista brasileiro. Por isso, é muito comum meus conterrâneos já entrarem no Malba à procura da icônica criação de 1928. Eles não sossegam enquanto não contemplam a imagem modernista de Tarcila. Uma vez visualizado o Abaporu, se sentem confortáveis para apreciar os demais quadros.

Até quem não gosta de Buenos Aires (sabe-se lá o porquê) terá que concordar que a intensidade artístico-cultural desta cidade é impressionante. Juro que não vejo tal força quantitativa e qualitativa em capitais brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Salvador, Brasília, Goiânia etc. Caminhar pela metrópole argentina é se embrenhar por lugares, paisagens e estabelecimentos com muita história, arquitetura, cultura e vibração.
Como disse no começo deste post da coluna Contos & Crônicas, essa é a minha visão sobre a efervescência artística de Buenos Aires. Não é porque acredito nisso que necessariamente todos ao meu redor deverão se curvar aos meus pensamentos e às minhas crenças, né? Entendida tal ressalva, falo (tá bom, escrevo) sem vergonha de cometer injustiças: a capital argentina é também a capital da arte e da cultura da América do Sul. Não há cidade em nosso continente mais rica e plural nesse sentido.
No início de 2026, retornarei aos “Tempos Portenhos” para debater os altos e os baixos da economia da Argentina. Esse será o Episódio 8: A Montanha-russa Chamada Economia. Enquanto não temos novidades de como é para um brasileiro viver em Buenos Aires, siga acompanhando as demais colunas do Bonas Histórias. Até porque, somos o blog de literatura, arte, cultura e entretenimento que reúne qualidades para ser chamado de capital da análise artístico-cultural em língua portuguesa. Ou seria outro exagero da minha parte?! Talvez...
Até a próxima, senhoras e senhores!
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Nona série narrativa da coluna Contos & Crônicas, “Tempos Portenhos” é a coletânea de textos pessoais de um brasileiro que escolheu viver em Buenos Aires. Neste conjunto de memórias, Ricardo Bonacorci revela os detalhes da capital argentina, o dia a dia dos moradores locais e estrangeiros, a cultura da cidade, a história do país e os hábitos portenhos. Cada narrativa abordará um tema específico: o passeio habitual pelos parques, o amor incondicional aos cachorros, a paixão pela carne, a devoção pelo futebol, as particularidades da língua espanhola dos habitantes das margens do Rio da Prata, a segurança e a qualidade de vida na capital argentina se comparada às cidades brasileiras, a contradição da crise econômica e da metrópole fervilhante, o custo de vida mais baixo etc. O objetivo aqui é fazer, de 2024 a 2026, um raio-X da alma portenha.
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